Merda influencer

Mark Fisher diagnostica na cultura contemporânea um “individualismo neurótico” e vê nas redes sociais o lugar onde a ansiedade é exercitada através de uma constante exposição de si. Angustiado, o indivíduo precisa o tempo todo que o outro afirme seus objetos, seu trabalho, seu corpo, suas roupas, suas viagens, suas bebidas, sua comida, seus “amores”, sua militância e suas opiniões. Chegará o tempo em que fotografarão a própria merda? Bom, não seria nem muita novidade. Em 1961, o artista italiano Piero Manzoni criou a obra “Merda de Artista”, que consistia numa série de 90 latas com fezes (Hoje, em que tudo e, quase todos, possuem um preço, uma lata com a merda do artista vale 275 mil euros!). Curtir a vida significa agora ter a vida curtida … numa rede social e, logo mais, no metaverso. Não importa mais a experiência real, mas a imagem – “instagramável”, dizem os influencers – da experiência. E não basta que a experiência seja pessoal, ela deve ser melhor do que a do outro. Tal ambiente superficialmente sorridente, e profundamente conflituoso, reflete o dos reality shows onde os indivíduos devem competir o tempo todo entre si com base em uma encenação do próprio ser. Não por caso, diz Fisher, os reality shows tornaram-se o modo dominante de entretenimento. A própria vida se tornou um reality show, de maneira que “a realidade consiste em indivíduos que lutam uns contra os outros”. Nesta “realidade” do “individualismo neurótico”, a colaboração é reprimida e o valor da competência individual imposto artificialmente. Na política, o efeito desse processo se traduz na eleição de indivíduos que, despreparados para as funções que pleiteiam, se escondem atrás de slogans, marketing, fotos e vídeos em programas de edição, os quais podem até funcionar por algum tempo, mas não por muito tempo, pois o real, que não pode ser longamente escamoteado, cedo ou tarde se impõe. Algumas latas de Manzoni acabaram por explodir devido à corrosão e aos gases.


:: A culpa não é sua! ::

Há dois anos estamos tentando viver em meio à pandemia do novo corona vírus. Nossas vidas, repentinamente, mudaram. Máscaras, álcool, distanciamento social passaram a fazer parte de nosso cotidiano.

De repente, a humanidade se viu surpreendida pelo desconhecido. A ciência teve que agir mais rápido do que o normal para deter a onda de mortes que se abateu sobre a terra. No Brasil, foram 621 mil mortes para as quais o presidente fascista, a fim de obter mais poder, tentou cegar a população.

Estamos longe da superação da pandemia, porém, acredito que estamos no caminho para isso. E que ela venha com a derrota do fascismo das fake news e do negacionismo.

Por outro lado, já antes da pandemia do Sars-Cov2, uma outra pandemia, muito mais silenciosa, ocorria. O pensador inglês Mark Fisher, ele mesmo uma vítima dela, chamou-a de “pandemia de angústia mental”.

Para esta “pandemia da depressão” que afeta jovens, adultos e idosos não há, nem haverá, vacina. Tudo o que pode ser feito é diagnosticar suas possíveis causas. Uma delas, segundo Fisher, tem origem na ordem capitalista, uma ordem competitiva, que coloca um contra o outro, que valoriza somente os vencedores, os possuidores de capital e culpabiliza os indivíduos que, por uma razão ou outra, não se tornaram famosos, ricos ou influencers.

A pandemia de depressão, diz Fisher, não pode ser devidamente entendida, ou curada, se vista como um problema privado de indivíduos defeituosos. A depressão, portanto, para o pensador, ainda que acometa o indivíduo encontraria sua explicação na organização social. A depressão é antes expressão de uma sociedade doente que valoriza mais o dinheiro, e a obtenção dele a qualquer custo. “Economia primeiro, saúde depois”, ouvimos diversas vezes essa frase na pandemia do novo corona vírus. Ali estava o sintoma de uma doença mais profunda, silenciosa e, talvez, muito mais grave, que tem levado milhões de pessoas ao desespero e ao suicídio. Não, a culpa não é sua!


Pretexto

A falsa consciência do jovem neoliberal que, na verdade, é um filho da classe trabalhadora que pensa como patrão, tenta me convencer que a CLT atrapalha a geração de emprego.

O que ele não se lembra, ou não quer assumir, é que em 2011 o Brasil bateu recorde histórico de trabalhadores empregados com carteira assinada.

Já a partir da reforma trabalhista de 2017, propagandeada pela direita golpista como medida inevitável para gerar empregos, vimos o desemprego explodir.

Ora em 2011 os direitos trabalhistas não foram objeto de desmonte e o desemprego foi o menor da história. A partir do golpe, da reforma trabalhista e, principalmente, a partir da ascensão do fascista Bolsonaro o desemprego e a informalidade explodiram. Hoje são mais de 14 milhões de desempregados.

O argumento do neoliberal contra direitos históricos dos trabalhadores cai por terra. Ele jura de pés juntos que a CLT atrapalha geração de emprego, mas esquece que foi justamente antes dos ataques à CLT que o Brasil bateu recorde de emprego! Portanto, não é a CLT responsável pelo desemprego como ele quer fazer parecer que é.

Ao afirmamos contra o neoliberal paraisopolense que a CLT não é responsável pelo desemprego não estamos simplesmente dizendo que a CLT é a responsável pelo emprego. Corresponsável pela geração de empregos formais é um governo capaz de criar um ambiente saudável e seguro de negócios e investimentos, assim como políticas de incentivos às empresas e tributação progressiva, mas para isso é necessário, antes de mais nada, Democracia, estabilidade política e instituições em funcionamento pleno, horizonte e expectativa de futuro. A CLT entra então em cena, ou seja, para garantir que os postos de trabalho criados em um ambiente econômico e político estável sejam de qualidade e que os trabalhadores tenham garantidos todos os seus direitos trabalhistas no presente e previdenciários na velhice.

O papo frouxo, com ares de sofisticação, da direita que se vende como o mais ‘novo’, mas só entrega o mais arcaico, de que a CLT gera desemprego oculta não apenas uma visão de mundo que coloca o dinheiro antes da vida, mas também um desprezo pela classe trabalhadora que, lembremos sempre, tudo produz.

A escravidão – em tese acabou – , mas a mentalidade escravocrata ainda vai demorar décadas para ser abolida. Aos capatazes de terno indico um passeio numa linha de produção de uma fábrica para saberem se os trabalhadores preferem trabalhar com direitos ou sem direitos.

Diante de discursos e ações que atacam direitos históricos conquistados pelos trabalhadores com mobilização, luta e sangue, a esquerda não pode ser apenas e sempre conciliadora. Em pautas cruciais, de vida e morte, a esquerda não pode jamais transigir sob pena de trair a sua razão de existir: os trabalhadores e as trabalhadoras. Olho aberto para os tapinhas nas costas, as coalizões e as alianças pragmáticas se não um dia, como avisou o sambista, “por qualquer pretexto nos botam cabresto e nos dão ração”.


Bozo & os tentáculos do QAnon


O genocida na presidência não é louco. O genocida na presidência é um genocida de alta periculosidade.

Quando, como agora, espalha descaradamente que a vacina contra a Covid-19 causa AIDS ele sabe muito bem os efeitos malignos que esse tipo de fake pode produzir no inconsciente coletivo.

Segundo Alejandro M. Gallo, autor da obra “Crítica de la Razón Paranoide”, “nenhuma construção conspiratória é inócua, pelo contrário: assim que se torna ideologia de Estado ou de grupos terroristas ou de fanáticos, sejam eles religiosos e/ou nacionalistas, conduzem a massacres, matanças, suicídios coletivos e até genocídio”.

Bolsonaro, o tirano assassino, que receitou remédio de verme e sarna para uma doença viral, que já matou mais de 600 mil brasileiros, introduz ideias do “QAnon” no Brasil.

O “Q Anon” é uma teoria conspiratória vinculada pela extrema-direita. No Brasil, ao que parece, foi introduzida através da disseminação de absurdos como terra plana, volta do voto impresso, remédio para verme e sarna para doença viral, e agora destroça todos os limites da razão com a vinculação da vacina contra a Covid com a AIDS. Ao agirem desta maneira perversa , seus entusiastas testam o quanto as pessoas podem acreditar em histórias sem pé nem cabeça quando veiculadas por aqueles que elas ilusoriamente acreditam serem “cidadãos de bem”. O próximo passo da franquia brasileira do QAnon é, nos moldes do que ocorreu durante as eleições norte-americanas, inventar que políticos são pedófilos, satanistas assassinos e por aí vai.

Parece delirante, mas o “QAnon” ganha cada vez mais adeptos no mundo. Embora suas ideias conspiratórias às vezes nos façam rir, talvez fosse prudente nos preocuparmos: o FBI qualificou o “QAnon” como uma ameaça de terrorismo doméstico. Algumas das pessoas que invadiram o Congresso norte-americano eram adeptas de crenças absurdas veiculados pelo “Q”.

Segundo Sergio C. Fanjul do jornal espanhol El Pais, especialistas já consideram o QAnon como “um movimento religioso emergente”. Não por acaso figuras como Trump e Bolsonaro aparecem como messias salvadores. “Assim como nas seitas, os membros chegam a sofrer certa desconexão com a realidade”, diz Fanjul.

Conhecendo o Brasil as coisas, que já não estão nada boas, podem piorar ainda mais. Ivermectina, cloroquina, terra plana, voto impresso, vacina que faz virar jacaré, vacina que causa AIDS. Até onde as entidades malignas que desgovernam o Brasil irão com suas mentiras absurdas que na pandemia mostraram ser também mortíferas?


Fakes purulentas

Em 2019, o gabinete do ódio bolsonazista fez circular no “zap das famílias” e dos “cidadãos de bem” uma série de fake news sobre as operações do BNDES em outros países.

Os disseminadores destas informações falsas transformavam, malignamente, financiamentos de obras feitos legalmente em envio ilegal de bilhões de dólares para o exterior .

Dois anos depois as mesmas (exatamente as mesmas!) fake news voltaram a circular nas redes bolsonazistas. (Já sobre os milhões de dólares do ministro da economia mantidos em paraíso fiscal nenhum comentário…).

Diante de tanta mentira, distorção descarada dos fatos, falsificação de informações e negacionismos de toda espécie fica cada vez mais difícil acreditar que as coisas melhorarão em breve se nada de enérgico for feito contra as células mais purulentas que sustentam a política da morte e do extermínio de corpos e instituições democráticas.

O cinismo, a indisposição para pensar por conta própria, a covardia, a sabotagem, o ódio disfarçado com o manto da religião e a falta de caráter do bolsonarismo parecem ter raízes históricas profundas, oriundas, talvez, do integralismo e do seu flerte direto com o fascismo. Neste sentido, o bolsonarismo é uma das figuras que compõem uma política do horror e da morte que se arrasta pelo país há quase um século e precisa – o quanto antes – acabar, antes que tudo o mais se acabe.


:: A morte tornada política pública ::

Na última eleição presidencial, parte da sociedade brasileira pediu mais armas e menos emprego, menos saúde, menos educação.

O governo atendeu os pedidos dos que fizeram arminha e o número de armas de fogo nas mãos de civis no Brasil disparou nos últimos 3 anos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) o país chegou a um arsenal de, pelo menos, uma arma a cada 100 brasileiros. Só em 2020, último ano analisado pela pesquisa, foram registradas 186.071 novas armas, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. No total já são 2.077.126 armas nas mãos da sociedade civil.

Enquanto a venda de armas é um sucesso, as áreas da saúde, da educação, da economia e do trabalho experimentam um verdadeiro retrocesso. O Brasil, que demorou para comprar vacinas e iniciar o Plano Nacional de Imunização, é o segundo país com mais mortes na pandemia, o preço dos alimentos e dos combustíveis não para de aumentar, o desemprego atinge 14,4 milhões de brasileiros, famílias inteiras fazem fila para obterem restos.

Mas nada disso parece incomodar o pior presidente da história. Na última semana, o genocida, em visita ao estado de Minas Gerais, ao lado do neoliberal Zema, pegou uma criança no colo e a forçou a simular tiros com uma metralhadora.


Culto à morte

O Brasil foi – e continua sendo – palco de uma política de extermínio em que participaram – e ainda participam – políticos, médicos, clínicas privadas, farmacêuticas, laboratórios, farmácias e os chamados cidadãos de bem (muitos inclusive perderam a vida (ou perderam entes queridos) para fazer passar a boiada e a política da morte bolsonarista).

Utilização de cobaias humanas em experiências com coquetéis de medicamentos ineficazes, falsificação de diagnósticos, emissão de atestados de óbitos fajutos e ocultação de mortes, negacionismo, culto cínico à morte.

Práticas análogas às dos nazistas no holocausto foram adotadas em diversas cidades do Brasil durante a pandemia em que já morreram quase 600 mil pessoas (número que suspeitávamos ser bem maior e que as denúncias, que vieram à tona nos últimas dias na CPI, confirmaram, apontando inclusive a necessidade de uma investigação equivalente em todo o território nacional afinal, sabemos bem, de horrores cometidos nas mais singelas e bucólicas cidadezinhas do interior).

Certamente milhares de pessoas que morreram de Covid-19, encorajadas pelo pior presidente da história a enfrentar um vírus mortal com um medicamento para verme, poderiam estar vivas, pois estamos vendo na prática, e diariamente, que só a vacina salva vidas; vacina que, aliás, o representante da morte se recusa até agora a tomar.


A peste no poder

“Prévia da inflação é a maior para setembro desde o início do Plano Real”, diz a manchete do jornal.

“Já estamos na era FHC”, pensa. “Em breve acordaremos na era Collor (quem matou PC Farias?) e na manhã seguinte no governo Sarney”. Tancredo Neves então morrerá e (re-)entraremos na noite negra da ditadura e da tortura.

Milhões apontarão suas armas imaginárias para o inimigo do dia. Um genocida governará o país. Ele elogiará torturadores e massas de zumbis o aplaudirão efusivamente.

Descobriremos que mais de meio milhão de pessoas morreram em uma pandemia causada por um corona vírus e que o governo brasileiro receitou vermífugo para a população enquanto atrasou, propositalmente, a compra de vacinas, dando tempo para a proliferação de variantes.

A violência dos fatos não foi suficiente para despertar os que desejaram profundamente serem hipnotizados pelo discurso da política de extermínio.

A atração para o abismo dos projetos não realizados pelos torturadores da ditadura cívico-militar brasileira pelos continua a tragar, sem cessar, a todos. Já não há tempo para o luto neste tempo retorcido em que a morte foi banalizada.

Pessoas fazem filam para comprar osso. A Floresta Amazônica é consumida pelo fogo. 16 milhões de desempregados.

Para onde estamos sendo levados?


Sacrifício

O sistema sacrificial ainda é determinante na cultura ocidental. No Brasil, desgovernado por um figura macabra que cultua a ditadura, a tortura e a morte, podemos observar uma dimensão da lógica do sacrifício através da defesa que uma parcela da população ainda faz do pior presidente da história do país, mesmo depois dele receitar aos brasileiros um vermífugo no lugar da vacina (esta que ele próprio se orgulha em não ter tomado), mesmo com o sacrifício de quase 600 mil vidas. Qual é o sentido de se prestar a sacrificar a vida em nome de um outro que cultua armas e ódio, por um outro que prega abertamente violência contra as minorias e se alimenta da mentira disseminada nas redes por perfis fake?


O ataque das buzinas assassinas

Em Curitiba, a manifestação em prol do genocida foi um show de horrores. Foram horas e horas de buzinas e de gritos antidemocráticos desarticulados que fizeram do 7 de setembro um delírio coletivo e uma sessão de tortura a céu aberto. A cabeça lateja até agora.

Nenhum pedido de geração de empregos, nenhuma crítica aos preços altos dos alimentos e dos combustíveis. Fome? Miséria? 584 mil mortos na pandemia? Desemprego? Que nada, o importante para as falanges bolsonaristas é que a “nossa bandeira” jamais seja vermelha.

Acuado por este grande e retumbante conformismo orgulhoso da massa de verde e amarelo, um vizinho tentou resistir e gritou “está tudo caro, a culpa é do bolsonaro” e por muito pouco um agrupamento de “cidadãos de bem”, tomando as dores do falso mito, não invadiu seu prédio. “Vai pra Cuba”, berravam este e outros disparates enquanto ameaçavam invadir a propriedade do rapaz.

Observei centenas de apoiadores de bolsonaro sem máscara e aglomerados. Não sabem que pessoas ainda continuam morrendo nas uti’s e a variante delta está se espalhando ou sabem, mas preferem se arriscar com uma só dose? Talvez seja outra coisa e, convencidos por uma persuasivo discurso vazio de liberdade, operado para ocultar o golpe em andamento que pretende suprimir todas as liberdades constitucionais, apresentem-se dispostos ao sacrifício de si e dos outros como se tratasse de uma excitante libertação de todos.

Entre carros, motos barulhentas e buzinas ensandecidas, grupos de amigos, casais, famílias, iam e vinham, sem parar, do Centro ao Centro Cívico em busca do acontecimento que, claro, não ocorreria, afinal o presidoente só queria mais “uma foto” que lhe servisse para mostrar, pelo confronto com o real, uma força política que ele próprio, conforme mostram as pesquisas, já não possui de fato e a que possui mostra-se como força impolítica da impotência e do ressentimento, perigosa é verdade, executada metodicamente através de ataques à Democracia, mobilização constante (motociatas, questionamento do sistema eleitoral, etc) e com scanias berrando.

Entretanto, algo precisa ficar claro, bolsonaro pode até estar realmente com a popularidade em queda, porém a força do ódio que inocula em uma parcela significativa da população, a qual retorna na forma de apoio e, como apontou Reich, de um combate pela servidão “como se se tratasse da sua salvação”, pode não seguir a mesma trajetória descendente e dar-lhe, pela negatividade, ainda mais alguma sobrevida.

O ódio, cada vez mais explícito, expresso, por hora verbalmente, contra um inimigo fantasmático, que só existe na cabeça dos bolsonaristas e que por isso mesmo pode ser aplicado a qualquer um que, eventualmente, seja percebido como a figuração deste inimigo, precisa também ser enfrentado e dissipado. Anteontem foi o sistema eleitoral, ontem o STF e amanhã?